Dores Mendes, piloto do clube AbouaAboua
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Enquanto aguardamos o relato da nossa vedeta internacional, aqui vai, a pedido dos nossos amáveis leitores, o relato do meu voo do dia 18 Agosto 2009, com descolagem em Mirandela e aterragem em Moldones, Espanha.
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O Bruno lançou o repto: "Vamos voar fora de Caldelas esta semana?" (Tínhamos passado a semana anterior a voar por lá) Dei a minha sugestão: "Terça-feira, Mirandela" Depois de alguma indecisão, lá conseguimos juntar um grupinho de desocupados: Eu, António, Carlão, Abel, e Bruno. Poucos, mas boms! As previsões para esse dia apontavam para condições que me pareciam ideais para um voo de distância, e era esse o nosso objectivo.
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O meu objectivo pessoal: Chegar à barragem do Azibo. Umas semanas antes tinha feito lá o meu primeiro voo de distância, cerca de 30 km, e o meu objectivo para esse dia era fazer mais 4 ou 5 km e aterrar no Azibo. Chegamos à descolagem SW de Mirandela por volta das 14H30. O vento entrava com boa intensidade, bem enfrentado e com ciclo térmico bem definido. Equipamo-nos rapidamente. O primeiro a descolar foi o Abel, logo seguido pelo António. Observei-os por uns minutos... não parecia prometedor. O Bruno, que está melhor posicionado confirma que estão os dois a marrecar. Não posso adiar muito a descolagem, já são quase 15H00 e a manga já dá sinais de que o vento está a rodar para Oeste. Aguardo o que me parece ser um bom momento e descolo. Começo logo a descer. Opto por ir à esquerda e, embora convencida que me espera o mesmo destino que os meus colegas, tento ainda assim explorar a zona na esperança de encontrar alguma ascendência. |
E ela lá estava! Muito fraquinha, muito desordenada, mas... havia que aproveitá-la! E lá fui subindo, com paciência, com persistência, e com algum cuidado porque estou relativamente perto do relevo, e a deriva da térmica leva-me para uma zona de fuga e algo sotaventada. Entretanto o Carlão descola, mas não tem a mesma sorte que eu e acaba por ir fazer companhia ao Abel e ao António que estão na aterragem. Eu, continuo teimosamente na minha térmica, que me faz subir cerca de 100 a 200 metros acima da descolagem... e não dá mais! Preciso encontrar uma térmica mais consistente que me salve o voo. Decido tentar a aldeia de Passos, ali ao lado. Meto acelerador e dirijo-me para lá com convicção. Está lá de facto a térmica que eu procuro, mas também não é grande coisa, subo pouco mais do que o que perdi na transição. |
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Continuo a voar em direcção a Mirandela e sempre a descer! Já começo a considerar a hipótese de ter que aterrar do lado de cá do rio. Decido contornar a cidade. Dada a direcção do vento, faço-o pelo lado Norte. Finalmente encontro, por cima do rio, uma térmica decente! Leva-me até aos 2400 metros. Meto acelerador e sigo viagem. Em dado momento, começo a descer estupidamente. Tem de haver por aí uma térmica que me faça subir estupidamente! Aposto numa aldeia do lado direito do IP4, dirijo-me para lá e... Bingo! Ali encontro uma térmica que me faz chegar rapidamente aos 3000 metros. Aproveito a boleia de umas nuvens e chego a Macedo sem grande perda de altitude. Por cima da zona industrial enrolo uma térmica e bato ali dois records pessoais: de distância e de altitude. Passo por cima do Azibo com 2800 metros. |
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Afinal, parece que vai dar para fazer mais uns kms! Continuo o meu voo em direcção a Nordeste, aproveitando o vento de costas. A dada altura olho para o meu vário: 1500 metros. Vejo uma pedreira além, e decido ir lá procurar subir. Apanho lá uma térmica razoável que me leva de novo perto dos 3000 metros. Devido à deriva dessa térmica, encontro-me agora bastante afastada do IP4. Penso que poderia ter continuado nessa linha térmica, mantendo a mesma direcção de voo, mas decido voltar ao IP4 (Tinha sido previamente combinado que o IP4 seria a nossa rota de referência, para facilitar as recolhas). Dirijo-me então para Bragança. Vou perdendo altitude de forma gradual sem grandes descendentes, mas fico surpreendida por perder tanto por cima da cidade, onde eu pensava encontrar (erradamente, ou não?) alguma ascendência, ou pelo menos uma situação de ar estável. |
Já fora do aglomerado urbano, encontro-me muito baixa, deduzo que a cerca de 300 metros acima do solo, e o vário sempre a apitar com aquele som irritante que me diz: estás lixada! "Vou ficar por aqui", penso eu. Mas a zona é fértil em campos para aterrar, o que me dá margem de manobra para andar por ali a procurar uma térmica misericordiosa. Encontro então uma térmica muito fraquinha, que me leva lentamente até aos 1300 metros. O que fazer agora com este pequeno ganho de altura? Ir para à esquerda, com vento de frente (o vento já está claramente de Oeste), nem pensar! Depois de tanto esforço! Olho para o relógio: 18H00. Ainda há alguma actividade térmica, com um bocado de sorte ainda subo mais qualquer coisa, e somo mais uns kms a este voo. Com este propósito, dirijo-me para o aeródromo, por me parecer uma boa opção para tentar pôr isto em prática. Chego junto ao aeródromo e começo a ouvir aquele som simpático que o vário faz e que significa: estás a safar-te! A térmica que aí encontro é suave mas certinha, fácil de enrolar. Leva-me aos 2000 metros. Por esta altura, o acto de enrolar térmica já me é fisicamente penoso, doem-me os ombros. Viro costas ao vento e observo o que tenho pela frente: Uma paisagem muito uniforme em termos de vegetação, e sem grandes contrastes de relevo. Dificilmente me proporcionará alguma possibilidade de ganho de altitude, até porque já são 18H30. Assumo que o meu voo está na recta final, escolho uma aldeia, e direcciono-me para lá. Passo por cima da dita aldeia e vejo gente na rua, imagino que estarão a ver-me. Aterro lá num campo, e aparecem imediatamente junto a mim três miúdos. Cumprimento-os, eles retribuem o cumprimento e perguntam: "donde vienes?" Ups! Estou em Espanha! Entretanto chegam mais pessoas, todas muito curiosas para saber como é que eu cheguei ali, de onde venho, se vou sair dali pelo mesmo "meio de transporte". Respondo-lhes que não, que não vou sair dali a voar de parapente, que tenho unas amigos que me vêm buscar de carro e tento explicar-lhes onde fica Mirandela. Depois de comunicar as minhas coordenadas ao Bruno, pego na asa em cogumelo e levo-a (a conselho da minha comissão de recepção) para uma rua da aldeia para poder dobrá-la. Tenho cerca de dez pessoas à minha volte a tentarem ser úteis, e outras tantas a observar. Depois da asa dobrada, pergunto se existe um bar onde possa esperar pelos meus colegas. "Por supuesto", e lá vamos nós em procissão! Já no bar, alguém aparece com um mapa. Aponto-lhes onde fica Mirandela, eles apontam-me a aldeia onde me encontro: Moldones. Faço um cálculo rápido e concluo que devo ter feito uns 70 kms. Uau! 70 kms! Nem acredito! Quando a minha equipa de recolhas chega, são todos intimados a entrar para beber uma cerveja. Mas não podemos demorar muito, ainda temos um longo caminho pela frente para ir buscar o Abel. Despeço-me dos meus amigos Moldonenses com a promessa de voltar a aterrar lá. E foi assim que acabou (quase... o dia só acaba às 4H00 da manhã quando chego a casa!) um dia fantástico e um voo inesquecível. |
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