XC - Caldelas / Bragado

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XC - Caldelas / Bragado

Bruno Mota
 

 A pedido de várias famílias aqui vai o relato do meu voo:


Acabado de aterrar e dobrar o material estou sentado no Café do Cruzeiro, de cervejinha na mesa à espera que o Pasta chegue para me recolher. Bragado, assim se chama a localidade onde aterrei.
O dia de hoje era um daqueles dias que uma pessoa não sabe bem o que fazer, ser ir, se não ir. Pela previsão a subida seria fácil, tectos altos, vento Sudoeste a rodar para Oeste-Noroeste. O dia seria bom, se as nuvens não crescessem demasiado.
Na sexta as últimas previsões davam valores de CAPE aceitáveis mas que exigiam atenção, pelo sim pelo não combinamos voar cedo. Pelas 12h estávamos na aterragem e subimos eu, António, Cláudia, Cristina, Pasta e Pedro Puga.
Quando chegamos o vento entrava de Sul, mantendo-se entre o Sul e o Sudoeste, entrando a períodos de Oeste. Fomo-nos preparando com calma, afinal ainda era cedo. Ficamos prontos primeiro eu e o Pedro, entretanto num ciclo porreiro saí pela rampa grande, daí ao morrinho e por lá andei na luta até sacar uma térmica decente. O Pedro viu-me nessa térmica e descolou e juntou-se a mim, mas não a engatou tão bem, a subida até cerca de 1400 foi relativamente rápida. O Pedro estava mais baixo, avancei contra-vento a ir buscar térmica à frente enquanto aguardava por companhia. A Cristina entrou nos rádios a dizer para esperarmos. O Pedro foi mais à esquerda que eu no lado de Caires e sacou um canhão, subiu e seguiu para Sta Isabel, eu voltei à zona da descolagem onde saquei uma térmica fixe que deu cerca de 1800 e fui no encalço dele, o António estava a descolar nesse momento, a Cristina deu-me impressão que já tinha descolado mas não a conseguia ver.
Em Sta Isabel havia nuvens na esquerda e azul à direita, o Pedro já lá estava à espera, voltou inclusive um pouco atrás, entretanto encontramos uma térmica que não era muito boa, como a zona estava na sombra e a exploração que fiz à volta não deu em nada agarrei-me àquilo, o Pedro avançou por baixo da nuvem à procura de uma zona de melhor subida, ficou bastante baixo, eu fui-me aguentando, veio novo ciclo e deu a subida mais alta do dia, base da nuvem quase nos 2000, tinha que esperar pelo Pedro, mas se ali ficasse ia nuvem dentro, forcei com vento de costas e acelerador na direcção da vila do Gerês, para os campos do Gerês não podia ir que estava tudo na sombra, fiquei no azul e consequentemente na descendente, estive quase por cima do São Bento, entretanto fui analisando as nuvens e vi que a coisa estava complicada para os lados do Gerês, nuvens demasiado grandes, decidi voltar atrás, voando para Sudoeste, contra-vento e contornado a barragem da Caniçada pela direita, nesta fase a paisagem era muito bonita, mas não dava para apreciar muito, o GPS indicava 24km/h de vento e a transição era difícil e lenta, avançava pouco, perdia muito ao pé de Bouro Sta Maria encontrei uma térmica fixe, mas ao enrolar tinha mais de 50 km/h com vento de costas e por volta dos 10 (ou menos que estava travado para subir) com vento de frente, subi o suficiente para garantir um campo mais à frente no planeio, assim que o garanti, transição por baixo das nuvens, que me levou a bater mais à frente numa térmica que me tirou do modo sobrevivência. Nesta altura o Pedro falou comigo no rádio, durante esta volta eu vi-o sempre a ladeirar muito baixo e via no chão uma forma que parecia uma asa, o rádio dos chineses dele não se ouve nada, entendi que ele estava aterrado, pelo que ele me disse depois foi “eu ainda estou na luta”, foi pena…
Entretanto já não estava no modo de sobrevivência e lá apreciei a paisagem, colado à base da nuvem, sobre o paredão da Barragem da Caniçada, com língua de água a seguir para norte, dividindo-se em três, a montante da parede a abundância da água, a jusante uma linha de água muito ténue, mais a Norte o Gerês, sempre imponente e exigindo respeito, mais a Sul Vieira do Minho e a Barragem do Ermal, um espectáculo de encher as vistas, apenas perturbado pelos farrapos característicos da base da nuvem, soberbo!
Entretanto, ao fazer esta térmica fui analisando as nuvens e decidi seguir com o voo para Este/Sudeste, nesta direcção as nuvens são mais pequenas, parece seguro.
Transição para Sul e depois siga para Oeste, o voo estava a ser bonito, mas estava a andar a passo de caracol, nova térmica antes de Vieira do Minho, com o Pedro d´Amares em Caldelas alto, o Sérgio também e o Calotas na nuvem, tentei falar, mas o meu rádio não estava a colaborar, só ouvia, o ptt estava mal encaixado. Esta térmica deu base da nuvem, transição nova térmica esta a mais potente o voo todo, pico de 7,1m/s segundo o gps, foi um instantinho até à base da nuvem. A subida era rápida o vento era fraco, tinha andado muito devagar, as transições passaram a ser feitas de pata a fundo, menos quando a coisa se mexia mais.
Depois desta térmica tive um ponto baixo numa zona de eólicas, fruto de uma indecisão entre direita e esquerda, mas a coisa lá se compôs e como se subia fácil não foi grande o atraso. Esta não a subi toda, que um fumo mais longe denunciava uma térmica e tinha a nuvem em cima a confirmar, além disso seguir um pouco mais baixo permitia ver e estudar melhor as nuvens, ainda não estavam muito crescidas.
Segui e entrei numa zona mais deserta, as subidas são condicionadas pelas aldeias e vou tentando garantir sempre uma no planeio, no gps vejo a distância que tenho e aponto para os 50km, numa aldeia que fica na base de uma encosta e tem um campo enorme, mas quando lá chego encosto-me num monte e subo um pouco, mais à frente há campos grandes, a auto-estrada passa lá e deve dar os 60, subo essa térmica e quando tenho altura suficiente deixo de enrolar e sigo a direito, ainda longe da base da nuvem, pata a fundo e continuo a subir a 2,5m/s, não gostei muito por momentos, pensei estar no domínio da nuvem, mas afinal não, estava a atravessar o núcleo, pouco depois a coisa diminuiu. Completei a transição, passei um pouco além do campo escolhido para picar os 60km um 360 calminho para perder altitude e lá aterrei no campo do Sr José que estava a semear batatas, uma aterragem quase na vertical que o vento estava já puxadito. Lá fui falar com o Sr José que me disse que não havia problema de aterrar ali, perguntei-lhe o nome da aldeia e onde ficava o café. Comuniquei a minha posição, arrumei o material e siga para o café. Cervejinha e cá estou eu…
Muito obrigado ao Pasta pela recolha, mais uma vez a certeza de que não ficamos apeados é que nos leva a ir mais longe, muito obrigado. Ao Pedro Puga pela companhia em voo, arranja um rádio decente e quem sabe numa próxima a coisa nos corre melhor a ambos! Ao António e Cristina obrigado pela boleia ao monte. Obrigado a todos que entretanto me felicitaram pelo voo!

Depois deste voo fico a partilhar da opinião do Abel, Larouco por sul é mais viável, pelo Gerês poucos são os dias que o tecto permite, não há aterragens com recolha fácil e psicologicamente o Gerês é muito desafiante. Quanto a Caldelas, mais que nunca acredito que os 100km são possíveis, ontem dava, tivesse eu andado mais rápido.
Quanto às nuvens uso como referência o CAPE até 200sem ser preocupante, mais de 300 proibitivo e em voo tentar analisar sempre as nuvens para melhor decidir. Onde aterrei era a barreira entre as nuvens boas e as nuvens perigosas. Pelas previsões das 15 horas (16 locais) a coisa descambava e seria expectável ter de aterrar a essa hora, foi o que acabou por acontecer.

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